25/10/2023

Nas sombras, na encolha, silen-

ciosamente constituído. Quando menos

se percebe, são suas próprias mãos

a esganá-lo.

 

O poder. Medo transmitido

mundo afora. O segredo que ser

quer mal guardado – não

estamos seguros.

 

A terra é de quem pode – ou

explode. Metástase maléfica. A

cobra se alimentando de si

mesma. Dis-

 

sídio. Divergência. Maniqueís-

mo plasmado no prefixo

renitente. Fazer dois é

forçar um – nesse

 

caso. Que o outro desapareça.

Mas somos todos o outro do ou-

tro. Tumor que se es-

praia.

 

Primeiro, o quintal. Depois, a

sala. Como se fosse

história de Cor-

tázar.

 

Logo chega ao

quarto –

 

coração.

 

Que pulsa.

Pulsa.


26/09/2023

Era tudo o dia-a-dia. Quem não 

sentiu a leve carga elétrica do planeta, ao 

plantar o pé no chão, perdeu-se 

no rame-rame. 


Havia alguma previsibilidade, 

alguma forma de sincronizarmos nossa 

respiração. Não deixa de haver 

caminhos. 


Mas titubeamos com certa regularidade, nos 

aturdimos com o sexo dos anjos e com o pelo no 

ovo. É espantoso que só então pudemos 

concluir que o amor deve ser 

maior, cósmico, infinito. 


Tudo estava ali, como 

sempre esteve, como 

está a-


qui.


Mas conteúdos alienígenas se in-

filtraram entre nós. Loas às ins-

tituições. Boas festas, nada 

mais.


Sim, teve até cerimônia oficial

deferência, aparato. Só não

contávamos com a 

hipótese de que

fosse tudo 

forjado 

por


razões. Pasmem, razões. Seria 

redundante  qualificá-las como 

questionáveis. Razões. Tão dóceis 

que tudo legitimam. Tão duras 

que decretam o 


não.


Mas o desejo resiste. Que a a-

tenção também esteja nos interstí-

cios que revelam haver muito 

mais do que imaginamos 

no desfile tragi-

cômico 

dos 


dias. 


Que os gestos as-

pirem à 


poesia


Tudo se 

cria.

22/09/2023

Incerteza. Incerteza. Repetir a 

palavra até que ela perca o sen-

tido,


que se decomponha em sons, perfis 

gráficos, histórias, contingên-

cias,


convenção. 


Até que a própria ideia se 

torne absurda, tão somente 

pelo fato de que seu oposto é 

pura


ficção. 


Que esse olhar espantoso traga

um quê cúmplice e despudorado 

das verdadeiras amizades. 


Somos carne, ossos, 

pele, devir,


pretensão.

21/06/2023

Que a vida destrate, maltrate, 

ainda assim dedicarei a ela servidão 

voluntária. 


Que o saber da benesse 

de estar no tempo não 

me abandone.


Não quero o voo impossível, 

prefiro juntar-me à revoada dos 

guaxos, quando passam, seguir 

com o bando, 


pelos ares. Mesmo que seja 

só imaginação. Mesmo que 

seja só.

 

Prefiro o encanto com o 

deslocamento incorpóreo dos 

xamãs. 


Acho melhor até mesmo

admirar os feitos da engenharia 

aeroespacial, ainda que não faça 

ode ao capital. 


Gozar de tudo que é 

também impuro chama-se 

viver. 


Gonzaguinha me 

entenderia.

09/06/2023

Café. O café, seu

aroma. A onda que 

dá.


Vou tomando mais e

mais um pouco, e

mais outra

 

xícara.

 

Aumenta a energia cinética.

Partículas zarpando, zunindo,

zoando a levada habitual

do sentir.

 

Ando cismado e daí

derivo. Ansiedade.

Mas há fé no meditar.

Respirar. É preciso

estar

 

aqui.

 

Respirar. Um calmante,

um excitante e um bocado

de gim. Ok. Cauby coube no

argumento. Mas calma,

é preciso

 

desligar.

 

Desatar para estar

aqui. Para estar junto. Que

a dança se dê. Cadente.

Quero você com

a gente. Fica.

 

Fiz um bolo. Vamos

tomar um chá. Vê como

se movimenta a fumaça

do cigarro?

 

Outro ritmo. 

08/06/2023

I.

Quero que me enxergue. Mas

o que haveria para enxergar? Haveria

algum acabamento na composição

de um todo?

 

Do meu todo suposto?

 

Quero que me enxergue. Mas

não sei nem mesmo se eu próprio

me enxergo. Fora os frágeis atributos

adquiridos na elaboração

dos dias, o que

 

restaria?

 

II.

Pode ser que, por não querer

ser visto de uma forma, e não lograr

ser visto de outra, tenha ficado no

semblante um traço

de indefinição.

 

Nem lá, nem cá.

Nem alhos, nem

bugalhos.

 

III.

Então que controle posso

pretender sobre como o outro

me enxerga? O que se vê

é uma quimera

 

multiforme.

 

Desse ângulo, sou isso.

Daquele outro, sou aquilo. E é

isso, não há soma

dos fatores.

 

Não haverá uma

coerência final e redentora.

Mas pode haver uma graça

em ser algo assim, que se

transmuta no movimento.


Caleidoscópio.

 

IV.

Calo em mim essa voz

pretensamente essencializante. 

Reminiscência de um porvir 

imaginado.


Seguimos.

24/05/2023

I.

Um bloco de gelo num

super refrigerador. Em seu

interior, uma esfera que

gere seu próprio

calor.

 

Incandescente.

 

II.

Mas indecente é o que não

se dá por civilizado. Quis não

ser visto. Uma forma de que-

rer-me algo aquém do or-

gânico.

 

Esqueci como se pretende

natural vestir as

máscaras que os

homens nos

dão.

 

Pois é nos momentos

de prazer que o tempo

parece passar mais

rápido.

 

Escorrego  renasce o

ventre. Útero que se perpetua

desgraçada-

mente.

 

III.

Deslocar-se na água é

quase um voo. Antes fos-

se. Antes não sufocas-

se.

 

Então reparo nas cantilenas

que as pessoas deixam

escapar nos momentos

de maior distração.

 

Melodia das entranhas.

 

Sangue que o-

xigena pode também o-

xidar. 

Estou a um passo do con-

ceito. Momento. Quando es-

capa a própria pos-

sibilidade de

tradução.

 

Resolvo então ou-

vir música, enquanto o ar-

co e a corda não se afas-

tam – se não fis-

sura, façanha. Cri-

var intervalos.

 

O plano é simples. Suspen-

der provisoriamente a

vertigem de existir. Tudo são

saberes de outro mundo – o

que se passa do lado de lá

da janela. Um

 

portal. Só sei da chuva pelo

cheiro, certa umidade.

Na fruição de acordes e ar-

pejos, ser um pouco mais

do tempo. Ser um pouco

menos.

 

Sob a marca perene, viver –

das mais banais mani-

festações do

 

mistério. Viver –

entre o mínimo

existencial e a

reserva do

 

possível.

 

Hei de velar o que já

foi e o que ainda

resta faltar.

 Pode-se encontrar paz no

deserto, bem longe do

litoral,

 

onde todos os barcos ar-

dem em chamas. Que todo o

comércio de afetos

 

seja passado.

 

Só então haverá algo de

literal, a vida desprovida de

badulaques.

 

Que os achaques do

desejo fiquem também

para trás.

23/05/2023

O que me acalma é

teu cheiro, por razões

algo misteriosas.

 

Um saber inteiro,

que se dá com a

generosidade da

língua

 

materna.

 

Ainda que haja proparo-

xítonas e mal-

entendidos.

 

Nenhuma gramática basta

para explicar o desejo

de não estar mudo –

 

sem a interlocução

do amor. Mas a palavra

foi dura como as

pedras,

 

calou o querer. Muito da

felicidade. Antes fosse

montanha.